- Saiam da rua! O
corre-corre acabou. Gritou a mãe na porta de casa. As crianças avançaram se
atropelando e rindo, pois até na recolhida havia modos de brincar. O trabalho
da mãe também se encerrara quando a loja do shopping fechou as portas devido ao
novo vírus ameaçador. O pai ainda trabalhava de frentista no posto de
combustível e trazia as novidades da rua.
Dias diferentes, de recolhimento e prevenção frente à ameaça
invisível. Situações concretas que desencadeavam
outros episódios: o descanso mental frente à vida de sacrifício de muitos ao
tédio dos idosos de não possuírem mais o livre caminhar de outrora. A
possibilidade das boas conversas familiares de alguns à confrontação, de
outros, com a convivência integral com os entes. A incerteza do salário em dia
à frustração daqueles que geram renda através de seus negócios.
Os
pormenores da vida foram se amontoando como detalhes em uma partida de
quebra-cabeças e as peças que se encaixavam se mostravam cada vez mais
desafiantes, complexas para só depois revelarem outras facetas do jogo. A
reclusão nas casas e apartamentos implicou um olhar de enfrentamento, não
somente ao vírus, visto que as ações de prevenção deste eram todas de ordem
didática.
Nos lares, a ordem eletrônica da internet e TV disseminava o vírus e seu trajeto de medo e perdas.
Enquanto conceitos de estruturas mais profundas como religião, cultura e
partidarismos se acirravam dividindo o consciente coletivo; a economia, volátil, adoecia
ou se recuperava a uma ligeira mudança do avanço virótico.
Decerto, havia outros
patógenos a enfrentar, tanto sociais quanto particulares. Havia outras
quarentenas a se praticar, além daquela que leva somente o corpo para a casa.
Seria hora de não nos paralisarmos frente à mão invisível do medo e refletirmos
amiúde sobre a vida, o outro, o planeta. Entrem! O corre-corre acabou.
Lepcam
08/04/2020
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